Relatório (dito) do FMI

Um programa<br>de terrorismo social

Muito se falou nos últimos dias do chamado «relatório» do Fundo Monetário Internacional sobre os cortes na despesa pública, contendo medidas de uma violência inaudita de destruição das funções sociais do Estado e dos direitos dos trabalhadores e do povo. O PCP, que reagiu à divulgação do relatório na Assembleia da República e no Parlamento Europeu, emitiu anteontem um comunicado sobre o assunto, que transcrevemos na íntegra.

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1. Nos últimos dias o País foi sacudido com a divulgação intencional do chamado relatório do FMI em torno dos ditos cortes na despesa pública. Uma operação desencadeada em perfeita articulação com o actual Governo – autor material da orientação e conteúdo fundamental do dito relatório – que, numa repetida estratégia de terror junto da população, põe na boca de outros ameaças inqualificáveis às condições de vida dos trabalhadores e do povo português, para mais adiante facilitar a aceitação de mais medidas gravosas que o próprio se encarregará de apresentar.

Simultaneamente, com esta divulgação, o Governo PSD/CDS procurou apagar do debate público as consequências do início da concretização do pior Orçamento do Estado desde os tempos do fascismo, da sua política de agressão aos trabalhadores, ao povo e ao País, que terá já efeitos nos próximos dias, por via do roubo nos seus salários e pensões dando-se mais um passo no empobrecimento de milhões de trabalhadores e pensionistas.

2. O PCP não subestima no entanto esta operação. Na continuidade de mais de três décadas de política de direita, no último ano e meio – com a concretização do pacto de agressão assumido pelo PS, PSD e CDS com a UE, o FMI e o BCE – o País foi arrastado para uma depressão económica, com milhões de portugueses em empobrecimento acelerado e o desemprego a atingir mais de um milhão e duzentos mil trabalhadores. Simultaneamente assistiu-se a um ritmo vertiginoso de falências e encerramentos de empresas, impôs-se uma quebra histórica e irreparável nos níveis de investimento, avançou-se na venda criminosa dos recursos e empresas estratégicas nacionais ao grande capital, o País ficou ainda mais amarrado a laços de dependência que comprometem a sua soberania e o futuro. Exploração e empobrecimento do povo e do País, para servir a banca e o grande capital nacional e estrangeiro, é essa a matriz da actual política que o Governo quer prosseguir.

Tal como aponta o dito relatório do FMI, o Governo não tem feito outra coisa que não seja a de: despedir trabalhadores na Administração Pública; cortar no subsídio de desemprego, no abono de família e noutros apoios sociais; cortar nos salários e nas reformas; aumentar taxas moderadoras e outros serviços que deveriam ser gratuitos. Uma intervenção em confronto aberto com a Constituição da República e que, responsabilizando o FMI e a União Europeia, é sobre o Governo e o conjunto dos partidos que abriram as portas à troika que recai a primeira e mais greve responsabilidade.

3. Em nome de uma dívida pública e de um défice que não param de crescer, os partidos da troika nacional, apontam para a falsa dicotomia entre a necessidade de diminuir a despesa do Estado para não aumentar mais os impostos. Querem criar a falsa ilusão de que o povo português tem o direito de escolher a forma de empobrecer. É a mentira em estado puro vendida em doses massivas pelos principais propagandistas do rumo de desastre que está em curso.

Na verdade, é sobre o trabalho, o consumo das famílias e as pequenas empresas que estão a subir os impostos, ao mesmo tempo que os rendimentos do grande capital continuam intocáveis e em visível acumulação e concentração.

Na verdade, é sobre as funções sociais do Estado, é sobre o investimento, que estão a recair os cortes orçamentais, ao mesmo tempo que se aumenta a despesa do Estado com milhares de milhões de euros pagos em juros, com os apoios directos à banca, com as rendas entregues aos monopólios por via das chamadas PPP.

O chamado debate sobre a «Reforma do Estado Social» é por isso um embuste, uma forma de enganar o povo para que este aceite como natural viver na miséria, ao mesmo tempo que um punhado de banqueiros e outros capitalistas acumulam fortunas e privilégios.

4. Para o PCP, há muito que este Governo perdeu a sua legitimidade. Age contra os interesses do povo e do País, submete-se aos interesses do grande capital e das grandes potências estrangeiras, viola sistematicamente a Constituição, não tem o reconhecimento do povo e de muitos dos que nele votaram. O País não aguenta mais. O País não aguenta nem as medidas inscritas neste relatório do FMI, nem os sucedâneos que o Governo venha a encontrar. Em milhões de portugueses cresce a consciência de que só a derrota deste Governo e desta política, só a sua luta, poderá abrir caminho a uma vida melhor.

É na renegociação da dívida pública, é na melhoria dos salários e dos rendimentos dos trabalhadores e do povo, é na dinamização do aparelho produtivo nacional, é na recuperação do controlo público dos sectores estratégicos da economia, é na tributação efectiva dos rendimentos do grande capital, é na recuperação integral da soberania do País, é, no fundo, numa política patriótica e de esquerda que está a resposta, não apenas ao cumprimento desta ou daquela função do Estado, mas a resposta a um outro rumo de progresso e de bem estar social.

Principais propostas do relatório

O chamado relatório do FMI (elaborado por encomenda do Governo) aponta baterias a alguns dos mais sensíveis – e já tão massacrados – sectores da sociedade portuguesa, nomeadamente os trabalhadores da Administração Pública e os reformados e pensionistas, bem como às funções sociais do Estado. Incólumes passariam, uma vez mais, os grandes grupos económicos e financeiros, a especulação e o lucro.

Por aqueles que visa atingir como pelos que não pretende tocar, o relatório traduz o verdadeiro programa ideológico que PSD e CDS não se atreveram a apresentar ao eleitorado e que se propõe ir muito mais longe do que tem sido a política prosseguida pelo Governo com a implementação do pacto de agressão assinado entre PS, PSD e CDS com FMI, UE e BCE.

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Administração pública

  • Redução entre 10 e 20 por cento dos trabalhadores da Função Pública, ou seja, entre 60 e 120 mil;

  • Redução permanente da remuneração-base dos trabalhadores da Administração Pública entre três e sete por cento;

  • Redução das remunerações acessórias entre 20 e 30 por cento;

  • Aumento do horário de trabalho da função pública das 35 para as 40 horas semanais;

  • Redução das horas extraordinárias.

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Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações

  •  Reduzir o valor do subsídio de desemprego para 419 euros e limitar a sua duração máxima a 10 meses;
  • Redução geral do valor de todas as pensões entre 10 e 20 por cento;

  • Redução das pensões acima das mínimas em 15 por cento;

  • Limitar o pagamento dos subsídios de férias e de Natal aos pensionistas apenas quando o crescimento nominal do PIB ultrapassar os três por cento;

  • Aumento da idade legal de reforma e de aposentação dos 65 para os 66 anos;

  • Equiparar as pensões dos aposentados da Caixa Geral de Aposentações à dos reformados da Segurança Social reduzindo as pensões em 20 por cento;

  • Confisco permanente da parcela da pensão que ultrapassa 12 IAS (5894 euros) por mês;

  • Eliminar o 3.º escalão do abono de família, o que determinaria a perda do direito a este apoio social para 280 mil crianças;

  • Eliminar o direito ao abono família aos estudantes com idades compreendidas entre os 19 e os 24 anos;

  • Eliminar o subsídio de funeral pago pela Segurança Social e pela CGA.

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Educação

  • Redução do numero de professores entre 50 e 60 mil;

  • Fixação de uma despesa máxima por aluno;

  • Estender a mobilidade de professores para os obrigar a trabalhar em escolas privadas com contratos de associação;

  • Aumento das propinas de forma a aproximá-las do custo de frequência.

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Saúde

  • Aumento das taxas moderadoras para um terço do custo do acto médico (a consulta no hospital subiria de 20 para 40 euros e num centro de saúde de cinco para 13 euros);

  • Redução do leque de cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde aos utentes;

  • Corte nas comparticipações de medicamentos.


O seu a seu dono

«Na elaboração deste relatório, a equipa beneficiou muito das discussões tidas com ministros e/ou secretários de Estado de todos os 11 ministérios, bem como com as respectivas equipes, e com vários representantes de outras organizações. Especificamente, a missão reuniu-se com os ministros de Estado Vítor Gaspar (Finanças) e Paulo Portas (Negócios Estrangeiros); os ministros José Pedro Aguiar-Branco (Defesa Nacional), Miguel Macedo (Administração Interna), Paula Teixeira da Cruz (Justiça), Álvaro Santos Pereira (Economia e Emprego), Assunção Cristas (Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território), Paulo Macedo (Saúde), Nuno Crato (Educação e Ciência), e Pedro Mota Soares (Solidariedade e Segurança Social), e com os secretários de Estado Carlos Moedas (Gabinete do Primeiro Ministro) e Simões Júlio Paulo (ministro Adjunto dos Assuntos Parlamentares). A equipa da missão beneficiou muito com a orientação fornecida pelos secretários de Estado Luís Morais Sarmento e Helder Rosalino do Ministério das Finanças, e de Miguel Morais Leitão, do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A equipe gostaria de expressar o seu sincero apreço pelas excelentes discussões e comentários prestados pelos funcionários do Governo com quem se reuniu.»

(In Prefácio do relatório do FMI)



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